Casamento, Levirato, Violações do Casamento, Pessoa solteira e Divórcio
Nos tempos bíblicos, o primeiro passo no casamento era dado pelo homem ou por sua família (Gênesis 4:19; 6:2; 12:19; 24:67; Êxodo 2:1). Geralmente, as famílias do casal faziam o arranjo do casamento. Assim Hagar, como chefe da família “o casou [Ismael] com uma mulher da terra do Egito” (Gênesis 21:21).
Estando Isaque com quarenta anos de idade, era perfeitamente capaz de escolher sua própria esposa (Gênesis 25:20); no entanto, Abraão mandou seu servo a Harã a fim de buscar uma esposa para Isaque (Gênesis 24).
Abraão deu ao servo duas ordens estritas: A noiva não podia ser cananeia, e devia deixar o lar paterno para viver com Isaque na Terra Prometida. Em circunstância alguma devia Isaque voltar a Harã para viver de acordo com o antigo modo de vida da família.
O servo de Abraão encontrou a orientação do Senhor em sua escolha (Gênesis 24:12-32). Então, segundo o costume da Mesopotâmia, ele fez os arranjos com o irmão e a mãe da moça (Gênesis 24:28-29, 33). Ele selou o acordo dando-lhes presentes (um dote) a eles e a Rebeca (Gênesis 24:53).
Finalmente, buscaram o consentimento da própria Rebeca (Gênesis 24:57). Este procedimento era muito semelhante às práticas matrimoniais humanas descritas em antigos textos de Nuzi*.
Em circunstâncias diferentes, ambos os filhos de Isaque ― Jacó e Esaú ― escolheram suas próprias esposas. A escolha de Esaú causou muita amargura de espírito a seus pais (Gênesis 26:34-35; 27:46; 28:8-9); mas a escolha de Jacó encontrou aprovação. Jacó foi enviado à casa de Labão, seu tio, em Harã, onde agiu com a autoridade de seu pai no arranjo para casar-se com Raquel. Em vez de dar um dote a Labão, ele trabalhou durante sete anos. Mas não se costumava permitir que a filha mais moça casasse primeiro, e assim Labão enganou Jacó casando-o com Lia, irmã mais velha de Raquel. Jacó aceitou, pois, a oferta de Labão de trabalhar mais sete anos para obter Raquel. Naquela região, o homem que não tinha filho muitas vezes adotava um herdeiro, dando-lhe a filha como esposa.
Exigia-se que o filho adotivo trabalhasse na família. Se mais tarde nascesse um filho, o adotivo perdia a herança em favor do herdeiro natural. Talvez Labão tenha tencionado adotar a Jacó; mas então lhe nasceram filhos (Gênesis 31:1). Talvez os filhos de Labão tenham sentido ciúmes de Jacó por temerem que ele pudesse reivindicar a herança. De qualquer maneira, Jacó deixou Harã secretamente para voltar à casa paterna em Canaã. Raquel levou consigo os deuses do lar que pertenciam ao pai. Visto como a posse desses deuses era uma reivindicação à herança, Labão saiu no encalço dos fugitivos; mas Raquel ocultou os ídolos de modo que Labão não os encontrasse. Para pacificar o tio, Jacó comprometeu-se a não maltratar as filhas de Labão nem tomar outras esposas (Gênesis 31:50).
Deveríamos notar, especialmente, a tradição do Antigo Testamento do “preço da noiva”. Conforme vimos, o marido ou sua família pagava ao pai da noiva um preço por ela para selar o acordo de casamento (cf. Êxodo 22:16-17; Deuteronômio 22:28-29). O preço da noiva nem sempre era pago em dinheiro. Podia ser pago na forma de roupas (Juizes 14:8-20) ou de algum outro artigo valioso. Um preço muitíssimo horrendo foi exigido por Saul, que pediu a Davi prova física de que ele havia matado 100 filisteus (I Samuel 18:25). O pagamento do preço da noiva não significava que a esposa tinha sido vendida ao marido e agora era sua propriedade. Era reconhecimento do valor econômico da filha.
Mais tarde a lei sancionou a prática de comprar uma criada para tornar-se esposa de um homem. Tais leis protegiam as mulheres contra abuso ou maus tratos (Êxodo 21:7-11). Às vezes, o noivo ou sua família dava presentes à noiva também (Gênesis 24:53). Doutras vezes o pai da noiva também lhe dava um presente de casamento, como fez Calebe (Josué 15:15-19). É interessante notar que Faraó deu a cidade de Gézer como presente de casamento à sua filha, esposa de Salomão (1 Reis 9:16). A festa fazia parte importante da cerimônia de casamento. Geralmente era dada pela família da noiva (Gênesis 29:22), mas a família do noivo podia oferecê-la também (Juizes 14:10).
Tanto a noiva como o noivo tinham criados para servi-los (Juizes 14:11; Salmo 45:14; Marcos 2:19). Se fosse um casamento real, a noiva dava suas criadas ao esposo para aumentar a glória da corte dele (Salmo 45:14). Muito embora a noiva se adornasse com jóias e vestimentas bonitas (Salmo 45:13-15; Isaías 49:18), o noivo era o centro de atenção. O Salmista apresenta, não a noiva (como fazem os modernos ocidentais), mas o noivo como feliz e radiante no dia do casamento (Salmo 19:5). Em outras nações do Oriente Próximo, o noivo costumeiramente passava a morar com a família da noiva. Mas em Israel, em geral era a noiva que ia para o lar do marido e se tornava parte de sua família. O direito de herança pertencia ao varão. Se um israelita tinha somente filhas e desejava preservar a herança da família, suas filhas tinham de casar-se dentro da própria tribo porque a herança não podia ser transferida para outra tribo (Números 36:5-9). Um dos mais importantes aspectos da celebração do casamento era o pronunciamento da bênção de Deus sobre a união.
Foi por isto que Isaque abençoou a Jacó antes de enviá-lo a Harã para buscar uma esposa (Gênesis 24:60; 28:1-4). Embora a Bíblia não descreva uma cerimônia matrimonial, supomos que fosse um acontecimento muito público. Jesus compareceu a, pelo menos, uma cerimônia de casamento e abençoou-a. Em suas lições, ele referiu-se a vários aspectos das festividades de casamento, mostrando assim que a pessoa comum tinha familiaridade com tais cerimônias (Mateus 22:1-10; 25:1-3; Marcos 2:19-20; Lucas 14:8).
O LEVIRATO
Os israelitas achavam muito importante que o homem tivesse herdeiro. A preservação da herança da propriedade que Deus lhes havia dado, era feita através dos descendentes (cf. Êxodo 15:17-18; Salmo 127; 128). A mulher incapaz de ter filhos muitas vezes era alvo do opróbrio dos vizinhos (Gênesis 30:1-2, 23; 1 Samuel 1:6-10; Lucas 1:25). Ela e a família se recolhiam, então, em ardente oração (Gênesis 25:21; 1 Samuel 1:10-12, 26-28). Surgia situação mais grave se o marido morresse antes de ela ter-lhe dado herdeiro.
Para resolver este problema, deu-se início à prática do levirato. Mencionado pela primeira vez em conexão com a família de Judá (Gênesis 38:8), o levirato mais tarde veio a fazer parte da lei de Moisés (Deut. 25:5-10). Quando uma mulher enviuvava, o irmão do marido morto, de acordo com a lei do levirato, tinha de casar-se com ela. Os filhos deste casamento tornavam-se herdeiros do irmão falecido, a fim de que “o nome deste não se apague em Israel” (Deut. 25:6). Se um homem recusava casar-se com a cunhada viúva, ele sofria a ignomínia pública (Deut. 25:7-10; cf. Rute 4:1-7).
O exemplo mais conhecido deste tipo de casamento foi o de Boaz com Rute. Neste caso, o parente mais próximo não quis casar-se com ela; então Boaz, como o parente mais próximo logo a seguir, agiu como parente resgatador. Havendo ele pago a dívida da herança de Elimeleque, tomou Rute por sua esposa “para suscitar o nome deste [Malom] sobre a sua herança, para que este nome não seja exterminado dentre seus irmãos, e da porta da sua cidade” (Rute 4:10). Davi foi a terceira geração deste casamento, e desta linha veio, mais tarde, Jesus Cristo (Rute 4:17; Romanos 1:3).
VIOLAÇÕES DO CASAMENTO
Embora Deus tenha ordenado o casamento como uma relação sagrada entre um homem e uma mulher, logo ele foi corrompido quando alguns homens tomaram duas esposas (cf. Gênesis 4:19). O casamento misto com pessoas estrangeiras e a adoção de formas pagãs complicaram o problema. A Bíblia registra que Abraão seguiu o costume pagão de gerar filho que lhe fosse herdeiro por via de uma escrava, porque sua esposa era estéril. “Toma, pois, a minha serva”, rogou Sara ao marido, “e assim me edificarei com filhos por meio dela” (Gênesis 16:2). A escrava, Hagar, logo deu um filho a Abraão. Mais tarde, Sara também deu à luz um filho.
A arrogância de Hagar afrontou Sara e levou-a a tratar Hagar com severidade. Quando Sara viu Ismael caçoando de seu próprio filho, achou que ela já havia suportado o suficiente. Exigiu que Abraão mandasse Hagar embora. Visto como Hagar lhe havia dado um filho, Abraão não podia vendê-la como escrava. Deu liberdade a Hagar e despediu-a com um presente (Gênesis 21:14; 25:6). Jacó foi outro patriarca hebreu que seguiu costumes matrimoniais pagãos. Jacó tomou duas esposas porque seu tio o ludibriou, casando-o com a mulher errada (Gênesis 29:21-30).
Quando Raquel percebeu que era estéril, deu a Jacó sua serva “para que eu traga filhos ao meu colo” (Gênesis 30:3-6). Lia ficou enciumada e deu a Jacó sua própria serva para ter mais filhos em nome dela (Gênesis 30:9-13). Desse modo Jacó teve duas esposas e duas concubinas, mas ele deu status igual a todos os seus filhos como herdeiros da aliança (Gênesis 46:8-27; 49). A começar com Davi, os reis de Israel deram-se ao luxo de ter muitas esposas e concubinas, muito embora Deus lhes tivesse ordenado, especificamente, que não fizessem tal coisa (Deut. 17:17). Esta prática conferia-lhes status social e os capacitava a fazer várias alianças políticas (2 Samuel 3:2-5; 5:13-16; 12:7-10; 1 Reis 3:1; 11:1-4).
Davi caiu em adultério com Bate-Seba e finalmente cometeu homicídio a fim de casar-se com ela. A morte era o castigo de rotina para este pecado (Levítico 20:10; Deut. 22:22). Mas em vez de tirar a vida de Davi, Deus decretou que o filho de Davi e Bate-Seba deveria morrer, e que haveria luta contra Davi em sua própria casa (2 Samuel 12:1-23). Salomão também foi castigado por desobedecer às ordens de Deus concernentes ao casamento. Suas muitas esposas estrangeiras levaram-no à idolatria (1 Reis 11:4-5). A lei mosaica protegia as concubinas e as esposas múltiplas, mas não com o fito de sancionar a prática. A lei dava status secundário às concubinas e a seus filhos a fim de proteger estas vítimas inocentes da sensualidade descontrolada (Êxodo 21:7-11; Deut. 21:10-17).
Deveríamos observar a concessão da lei no que tange a essas práticas à luz do comentário de Jesus sobre o divórcio: “Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres; entretanto, não foi assim desde o princípio” (Mateus 19:8). Malaquias denunciou o abuso e a negligência que uma esposa sofria quando o marido se voltava para uma mulher pagã e repudiava a primeira.
O pacto do casamento chamava-a a produzir “semente piedosa”; mas a infidelidade do homem levou-o a ignorar suas responsabilidades para com ela (Malaquias 2:11, 14-16). A lei mosaica não permitia aos israelitas casar-se com mulheres estrangeiras (Deut. 7:3) porque elas adoravam outros deuses. Quando os israelitas voltaram do cativeiro, foram avisados de que o casamento com mulheres estrangeiras era contrário à lei de Deus. Esdras e Neemias falaram sobre o assunto muitas vezes (Esdras 10; Neemias 10:30; 13:23-28). Neemias censurou sua geração, dizendo: “Não pecou nisto Salomão, rei de Israel? …Não obstante isso as mulheres estrangeiras o fizeram cair no pecado” (Neemias 13:26; cf. 1 Reis 11:4-5).
Esdras exigiu que todo homem pusesse fim ao seu relacionamento com esposa estrangeira. Os que recusaram, foram expulsos da congregação e seus bens destruídos (Esdras 10:8). A relação sexual que Deus tinha em mente era a monogamia ― um homem e uma mulher. Mas devido às paixões humanas degradadas, a lei de Deus precisou proibir pecados sexuais específicos (Levítico 18:1-30; 20:10-24; Deut. 27:20-23). Mesmo assim, alguns homens, desavergonhadamente, buscaram prostitutas (Gênesis 38:15-23; Juizes 16:1).
O livro de Provérbios adverte com detalhes contra mulheres lascivas e vis que instigam os jovens nas ruas (Provérbios 2:16-19; 5:1-23; 6:20-35). A prostituição do culto cananeu era um grave abuso, que de quando em quando era praticada em Israel (I Samuel 2:22-25; I Reis 15:12; II Reis 23:7; Oséias 4:13-14; cf. Deut. 23:17). A imoralidade sexual encabeça diversas listas de pecados citadas na Bíblia (Marcos 7:21; Romanos 1:24-27; I Coríntios 6:9; Gálatas 5:19; Efésios 5:5). Todo pecado sexual desfigura a imagem de Deus no homem. Deus advertiu que destruiria toda sociedade que permitisse a continuação de tal pecado (Levítico 18:24-29).
A PESSOA SOLTEIRA
Por suas palavras e por sua própria vida de solteiro, Jesus mostrou que o casamento não era um fim em si mesmo, nem essencial à integridade da pessoa. Como servo de Deus, a pessoa podia não ser chamada para ter um companheiro e filhos. O discípulo cristão podia ter de esquecer pais e possessões por amor do reino de Deus (Lucas 18:29; cf. Mateus 19:29; Marcos 10:29-30). Paulo desejava que todos os homens estivessem contentes por viver sem casar-se (I Coríntios 7:7-8). Ele encontrava plena liberdade e inteireza em consagrar-se “desimpedidamente, ao Senhor” (II Coríntios 7:35). Mas reconhecia que a pessoa que não tem o dom do autocontrole nesta área deve casar-se, para que não peque (I Coríntios 7:9, 36).
Casal real. Este relevo pintado em pedra calcária, de cerca de 1370 a. C, retrata uma rainha egípcia oferecendo flores ao rei, que despreocupadamente se apoia em seu bastão. Esta e outras inscrições mostram que a rainha desempenhava papel secundário na família real.
DIVÓRCIO
Os biblicistas discordam quanto ao modo de Jesus e Paulo interpretarem a lei mosaica concernente ao divórcio. Não obstante, as provisões do Antigo Testamento são perfeitamente claras.
A. Lei mosaica. A lei de Moisés permitia que um homem repudiasse sua mulher quando “ela não for agradável aos seus olhos, por ter ele achado coisa indecente nela” (Deuteronômio 24:1). O objetivo primário desta legislação era impedi-lo de tomá-la de novo depois que ela se houvesse casado com outro homem; isto teria sido “abominação perante o Senhor” (Deut. 24:4). Supunha-se que a lei desestimularia o divórcio em vez de incentivá-lo. Ela exigia um “termo de divórcio” – um documento público garantindo à mulher o direito de casar-se de novo sem sanção civil ou religiosa-. O divórcio não podia ser feito no âmbito privado.
O motivo aceitável para garantir o divórcio era que houvesse alguma “coisa indecente”. Os tipos específicos de “indecência” tinham suas próprias penalidades. Por exemplo, o adultério acarretava a morte por apedrejamento. Se o homem acreditava que sua esposa não era virgem por ocasião do casamento, ele podia levá-la aos anciãos da cidade. Se a julgassem culpada, a punição seria a morte (Deut. 22:13-21). Contudo, se o homem houvesse acusado falsamente a esposa, ele seria castigado e devia pagar ao pai dela o dobro do preço usual da noiva. Quando o marido suspeitava que a esposa havia adulterado, ele a levava ao sacerdote, que lhe aplicava a “lei de ciúmes”. Tratava-se de um julgamento por “provação”, típico das antigas culturas do Oriente Próximo. A mulher devia tomar a água amargosa. Se ela fosse inocente, então a água não lhe faria mal. Se fosse culpada, ficaria doente. Nesse caso ela era apedrejada até morrer como adúltera (Números 5:11-31).
Embora a lei de Moisés permitisse ao homem divorciar-se da esposa, esta não tinha permissão para divorciar-se do marido por motivo algum. Muitas mulheres provavelmente escaparam de circunstâncias desagradáveis sem o termo de divórcio (cf. Juizes 19:2). Legalmente a esposa estava sujeita ao marido enquanto ambos vivessem ou até que ele a repudiasse. Se fosse dado à mulher um certificado de divórcio, ela podia casar-se de novo com qualquer homem, exceto com um sacerdote (Levítico 21:7, 14; Ezequiel 44:22). Contudo, o novo casamento impedia-a com respeito ao primeiro marido – isto é, ele não poderia casar-se de novo com ela, porque ela havia, de fato, cometido adultério contra ele (cf. Mateus 5:32). A despeito das provisões que permitiam o divórcio, Deus não o aprovava. “O Senhor Deus de Israel diz que odeia o repúdio”; ele chamou-o de “violência” e de “infidelidade” (Malaquias 2:16).
Divórcio na Babilônia
O casamento é um ritual antigo; também o é o divórcio. Talvez nada haja tão fundamental numa cultura como suas normas concernentes ao relacionamento entre um homem e uma mulher. Hamurabi, rei babilônio que reinou de 1728 a 1686 a.C. redigiu intricadas leis conhecidas como o Código de Hamurabi. Essas leis lidam com todos os aspectos da vida babilônica, incluindo o divórcio. As leis de divórcio de Hamurabi eram quase tão complicadas quanto as de nosso tempo. Um marido babilônio podia simplesmente dizer à esposa: “Tu não és minha esposa” (ul assati atti), ou que ele a “havia deixado” ou a “havia repudiado”. Ele lhe dava “dinheiro de despedida” ou “dinheiro de divórcio”. Às vezes se dizia que ele havia “cortado a orla de seu vestido”. Uma vez que o vestido muitas vezes simbolizava a pessoa que o usava, isto queria dizer que o marido havia cortado o vínculo matrimonial com a esposa.
Suas palavras eram um decreto legal de divórcio. A esposa babilônia podia dizer que “odiava” o marido ou que ela o “deixou”, o que significa que ela se recusava a ter relações sexuais com ele. Contudo, nada do que a mulher dissesse podia dissolver o casamento. Ela não tinha o poder de divorciar-se do marido sem consentimento de um tribunal. O divórcio não era problema a não ser que o casamento tivesse sido formalizado. “Se um homem adquire uma esposa, mas não redigiu os contratos para ela, essa mulher não é esposa”, segundo o Código de Hamurabi. Contudo, uma vez que as pessoas fossem legalmente casadas, as condições e consequências do divórcio estavam claramente traçadas no Código.
Havia leis de divórcio concernentes a casamentos não consumados, casamentos sem filhos, casamento com uma sacerdotisa, casamento em que o marido era levado cativo durante a guerra, casamento em que a esposa ficava gravemente enferma; e sempre havia provisões específicas acerca de quem devia receber a soma de dinheiro. Um marido podia divorciar-se da esposa quase a seu bel-prazer. Contudo, se ela não era achada em falta, o marido tinha de dar-lhe o dote, muitas vezes uma grande parte de sua propriedade. Isto protegia a esposa de divórcio caprichoso ou casual.
Se houvesse mau procedimento por parte do marido ou da esposa, esperava-se que os tribunais avaliassem o castigo. Uma mulher nunca podia iniciar o processo de divórcio; ela devia esperar que o marido recorresse ao tribunal. Se a mulher não podia provar sua própria inocência e a culpa do marido, ela era afogada. Desnecessário é dizer que só em casos extremos uma mulher buscava o divórcio. Se o marido fosse achado em falta, a esposa “não incorre em castigo” por sua recusa a direitos conjugais e podia retornar à casa paterna.
Uma mulher podia até ser repudiada se ela fosse “uma borboleta, negligenciando assim sua casa e trazendo humilhação ao esposo”. Se achada culpada deste crime, “eles lançavam essa mulher à água”. Nada era sagrado ou perpétuo no casamento na Babilônia. Ele parece ter sido um acordo secular antes que um compromisso religioso ou moral.
B. Ensinos de Jesus. No tempo de Jesus havia muita confusão acerca das bases para o divórcio. Os rabinos não estavam de acordo sobre o que constituía o “indecente” de Deut. 24:1. Havia duas opiniões. Os que seguiam o rabino Shammai achavam que o adultério era a única base para o divórcio. Os seguidores do rabino Hillel aceitavam diversas razões para o divórcio, incluindo coisas tais como cozinhar mal. Os Evangelhos registram quatro declarações de Jesus concernentes ao divórcio. Em duas delas, ele permitiu o divórcio no caso de adultério. Em Mateus 5:32, Jesus comentou a posição tanto da mulher quanto a do seu marido: “Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de adultério, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada, comete adultério.” Em outra declaração, Jesus falou da posição do homem que repudiava sua mulher: “Quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de adultério, e casar com outra, comete adultério” (Mateus 19:9). Essas duas afirmativas parecem permitir o divórcio na base da infidelidade.
Contudo, em dois outros contextos, Jesus não parece dar aprovação nenhuma ao divórcio. Em Marcos 10:11-12 ele disse: “Quem repudiar sua mulher e casar com outra, comete adultério contra aquela. E se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério.” Em Lucas 16:18, Jesus faz uma declaração semelhante: “Quem repudiar sua mulher e casar com outra, comete adultério; e aquele que casa com a mulher repudiada pelo marido, também comete adúltero.” Como é que as declarações de Jesus permitindo o divórcio por infidelidade se harmonizam com as declarações que parecem proibi-lo inteiramente? A primeira pista encontra-se nas conversações de Jesus com os fariseus (Marcos 10:5-9; Lucas 16:18), nas quais ele insiste em que o divórcio é contrário ao plano de Deus para o casamento.
Embora a lei de Moisés permitisse o divórcio, era apenas uma concessão provisória e relutante. Jesus contraditou a lei ao declarar que, mesmo se o casal divorciado não tivesse sido sexualmente infiel um ao outro, aos olhos de Deus cometeriam adultério se agora se casassem com outros parceiros. Note-se que as declarações de Jesus fazem parte das conversações com os fariseus acerca da lei mosaica, a qual eles acreditavam sancionava o divórcio por outros motivos além do adultério (Deut. 24:1-4). O ponto central de Jesus era que o divórcio nunca deveria ser considerado bom, nem deveria ser tomado levianamente. Assim, em sua declaração citada em Lucas 16:18, ele nem mesmo menciona o assunto do adultério.
(Evidentemente, Marcos 10:5-9 registra apenas as palavras de Jesus que se relacionam com o ponto central da conversação.) Nas duas passagens de Mateus (uma delas é um relato completo do que está registrado em Marcos 10), Jesus permite o divórcio por um motivo somente ― “imoralidade”, ou intercurso sexual ilícito. O pensamento de Jesus é claro: ao criar uma união sexual com alguém que não seja o parceiro matrimonial, a pessoa dissolve seu casamento. Neste caso, o decreto de divórcio simplesmente reflete o fato de que o casamento já foi rompido.
O homem que se divorcia de sua esposa por esta causa “não a faz adúltera”, pois ela já o é. O divórcio por imoralidade geralmente liberta o parceiro inocente para casar de novo sem incorrer na culpa de adultério (Mateus 19:9), mas às vezes este ponto é questionado. Embora Jesus permitisse o divórcio por adultério, ele não o exigiu. Muito ao contrário: Insistindo em que o divórcio rompe o plano de Deus para o casamento, ele abriu a porta ao arrependimento, ao perdão e à cura num casamento infiel, como fez no caso de outras relações desfeitas pelo pecado. A reconciliação era o método de Jesus para solucionar os problemas
matrimoniais.
Deus havia demonstrado esta forma de reconciliação e perdão quando mandou Oséias casar-se com uma prostituta, depois lhe disse que a resgatasse após ela ter-se vendido a outro homem. Deus perdoou a Israel exatamente assim. Quando o povo de Israel continuou a adorar ídolos, Deus o enviou para o cativeiro; mas ele o redimiu e o trouxe de volta para si (Jeremias 3:1-14; cf. Isaías 54).
C. Ensinos de Paulo. Em I Coríntios 7:15, Paulo diz que um cristão cujo consorte retirou-se do casamento devia estar livre para formalizar o divórcio: “… se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos não fica sujeito à servidão, nem o irmão, nem a irmã.” 2 Não obstante, Paulo incentiva o crente a manter o casamento, na esperança de que o parceiro incrédulo venha a ser salvo e os filhos não sofram.
Evidentemente, Paulo está pensando em pessoas que se casaram antes da conversão, porque ele diz aos crentes que nunca se casem com incrédulos (I Coríntios 7:39;II Coríntios 6:14-18). Observe-se que esta situação é bem diferente daquela que Jesus mencionou no episódio narrado em Mateus 19 e Marcos 10. Jesus estava falando aos mestres da Lei – em realidade, aos maus intérpretes da Lei – ao passo que Paulo falava aos cristãos, muitos deles gentios que nunca tinham vivido sob a Lei de Moisés. Os leitores de Paulo haviam mudado seu modo de vida após o casamento, e tentavam influenciar seus cônjuges a fazerem o mesmo. Eles eram obrigados a pensar não somente em seu próprio bem-estar, mas também no bem-estar dos cônjuges e filhos. Por essas razões, e pelo fato de que a monogamia é o plano de Deus, os casamentos devem ser mantidos sem separação. Paulo procurava desestimular o divórcio, a despeito de ser prática-indubitavelmente comum na cultura greco-romana da Corinto pagã. Em assim fazendo, ele se revelava como verdadeiro e leal porta-voz da Lei.* Veja E. A. Speiser, The Anchor Bible: Gênesis (Nova Iorque: Doubleday and Company, 1964), pp. 182-185.
2 Alguns sustentam que esta frase ― “não fica sujeito à servidão” ― significa que o cônjuge cristão abandonado pode legalmente passar do divórcio para novo casamento. Mas outros eruditos questionam esta interpretação
Fonte: TENNEY, Merril C. ; PACKER, J.I.; WHITE, William Jr. Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos: 1ª Ed. São Paulo. Editora Vida, 1988.
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