A Necessidade do Novo Nascimento no natal
Havia um homem dos fariseus que se chamava Nicodemos, um principal entre os judeus. Este veio a Jesus de noite e lhe disse: “Rabi, sabemos que és mestre vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes se Deus não estiver com ele. Respondeu-lhe Jesus: “Em verdade, em verdade te digo se o
homem não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus”. Nicodemos lhe disse: “Como pode um homem nascer de novo sendo velho? Pode por acaso entrar uma segunda vez no ventre de sua mãe e nascer?
ouve o seu som; mas ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito”. Perguntou-lhe Nicodemos: “ Como pode acontecer isso?”
vos tenho dito coisas terrenas e não acreditastes, como acreditareis se eu vos falar das celestiais? Ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, o Filho do Homem, que está no céu. E assim como Moisés levantou a serpente do deserto, é necessário que o filho do homem seja levantado para que todo aquele que
Nele crer, não se perda, mas tenha vida eterna.
Sobre essa historia se prega todo ano. Mas como hoje o momento novamente é propício, falaremos mais uma vez sobre ela. Desde que o mundo existe, os sábios que existem nele se perguntam: “De que modo se pode alcançar a justiça e a bem-aventurança?” Essa questão se discute desde quando há homens na Terra, e continuará sendo discutida até que o mundo chegue a seu fim. Ainda nos nossos dias atuais pode-se ver com quanto ardor debatemos esse assunto. Todos creem estar em condições de emitir um juízo, porém, com seu juízo, revelam sua ignorância. Esta mesma questão, como nos informa o Evangelho para o dia de hoje, Cristo a tratou com um homem que, falando nos términos da lei judaica, era uma pessoa corretíssima e muito instruída.
Aquele homem quer discutir sobre aquilo que devemos fazer e como devemos viver para sermos salvos, e espera que Cristo lhe dê uma resposta. “Porque tu” ele diz, “és mestre vindo de Deus, pois os sinais que tu fazes vão além da capacidade de qualquer ser humano. Nós os fariseus ensinamos, no campo do espiritual, a lei de Moisés. Opinas tu que há algo melhor que possa nos recomendar?” Surge assim na discussão entre ambos a pergunta sobre as obras, ou seja, a vida perfeita – a pergunta que inquieta aos homens de todas as gerações.
I. O que tenta alcançar a salvação pelos caminhos das obras, não a alcançará
Ali no sermão do monte o Senhor explica qual o verdadeiro cumprimento da lei, e o que significa acertar o alvo: não se irar, nem mesmo no recôndito do coração; não cobiçar nem mesmo em pensamentos a mulher ou os bens do nosso próximo. Ali se coloca diante dos nossos olhos a justiça mais perfeita. E, apesar de tudo os homens acreditam poder alcançá-la mediante o cumprimento da lei. “Não queremos nem pretendemos”, dizem, “acertar exatamente o alvo”; se o conseguem com certa aproximação, se têm por desculpados. Nós, porém, atentamos para o que nos ensina Cristo: “Ninguém pode ver o reino de Deus ao menos que tenha acertado o alvo”. E no Apocalipse lemos: “Neste tabernáculo não entrará nenhum imundo”. Que devemos fazer pois? Também exclamaremos: “Temos que ficar aqui embaixo, não podemos subir a montanha”?
Tampouco Nicodemos sabe outra coisa que esta: “Eu sou uma pessoa correta, vivo piedosamente conforme a lei e transito pelo caminho que conduz ao céu”. E agora ele quer que esse Mestre lhe expresse sua aprovação ou desaprovação – ainda que não gostaria de pensar nesta última opção, senão espera que o Senhor lhe responda: “Sim, Nicodemos, és perfeito, e ainda: Já és bem-aventurado e os demais entrariam no reino dos céus se fizessem como tu”. Porém, ocorre justamente o contrário: Cristo o bota a correr do reino dos céus: “Por certo, és um homem bom. Porém se não nasces de novo, tua justiça não te servirá de nada.” O “nascer de novo”: esta é a justiça na qual insistimos tanto em nossa pregação. Ou seja: Cristo não tem a intenção de rechaçar a lei, antes quer que ela seja cumprida. “Porém”, diz “a forma como vós a cumpríeis não tem validade. Cumpríeis a lei só em vossa imaginação, mas não na realidade. Os Dez Mandamentos são perfeitos, e quero que os cumpra. Quem quiser entrar no céu tem que cumpri-los.
É-nos dito, pois: “lhe é necessário nascer pela segunda vez”. Para Nicodemos isso é chocante. Ele pensa em outras leis, alem do ponto das leis mosaicas, tais como as que achamos no papado e no judaísmo farisaico; espera que Cristo estabeleça artigos novos, leis novas, todo um código novo. Porém, nada disso: Cristo não diz uma palavra quanto a leis e estatutos novos. “Pois o que possuis em matéria de leis já é mais do que podeis cumprir. Eu, em troca, os prego assim: Vós, vós mesmos precisam chegar ser outras pessoas. Eu não falo de fazer ou não fazer, senão de chegar a ser. Tu tens que chegar a ser outro homem, tens que
nascer de novo. Isso será então a justiça que acerta o alvo, a justiça sem mancha nem ruga, a justiça que conseguirá entrar no céu”.
outras piores: “não te digo que tenhas de nascer de novo de pai e mãe humanos, senão da água e do Espírito Santo”. Agora, Nicodemos fica totalmente confundido. “Que homem e mulher são esses: água e
Espírito?” E como se ainda não fosse suficiente, Cristo lhe pergunta: “Tu és mestre de Israel e não sabes disso?”, o que soa como zombaria manifesta. E sem dúvida, Cristo tem que falar assim porque o assunto é
totalmente novo para Nicodemos. Para explicá-lo Cristo recorre a uma ilustração como se quisesse dizer a Nicodemos: “queres que eu desenhe para que tu entendas? Digo-te porém: se não podes captar com a razão, capta-a com a fé. Pois se não acreditaste quando te falei coisas terrenas, como crerás se eu te falasse das coisas espirituais? Nós falamos o que sabemos, e o que sabemos é a verdade e vós não acreditais. Pois bem: se alguém não quer crer, deixe-se!”
A nossa pregação, iniciada naquelas condições por Cristo, se apoia exclusivamente na fé. Só com a fé se pode compreender da “regeneração pela água e pelo Espírito”. O Espírito é o homem e a água a mulher. O que isso implica, não o podes medir com a tua razão. Daí o tema que pregamos seja artigo de boas obras ou de fé. E já os papistas aprenderam algo de nós ao dizer que com a fé e a graça começa a vida verdadeiramente cristã. Antes só se falava da missa privada e da invocação dos santos; agora, em troca, dizem que a fé, efetivamente, salva, porém não só a fé, senão a fé em cooperação com nossas obras. E essa cooperação, apoiam, é imprescindível. E a nós criticam duramente afirmando que proibimos as obras e induzimos os homens à preguiça. Todavia lhes falta bastante para serem tão piedosos e estarem tão próximos da verdade como Nicodemos. Nós nunca proibimos as boas obras; mais ainda: se dizemos algo a respeito das boas obras, nossa própria gente fica logo com raiva, o qual é um claro sinal de que realmente pregamos sobre esse tema.
E apesar disso os papistas seguem blasfemando de nós. Eles ensinam: “as boas obras tem que vir com a ajuda da fé – vãs palavras que demonstram que esses mestres não têm noção do que é fé, boas obras, nascer do Espírito, nascer de Deus. É por isso que é necessário que estudemos com cuidado o nosso presente texto (João 3:5) e outros iguais. Aqui se fala de “nascer de novo”, não de “fazer algo novo”. Primeiro deves plantar uma árvore, e logo terás também os frutos. Segundo seja boa ou mal a árvore, serão também bons ou maus os frutos. O mesmo ocorre aqui. Nós chamamos um novo nascimento, quer
dizer, uma nova maneira de ser, uma nova pessoa, não somente um novo vestido ou novas obras. Quando eu era monge, minha vestimenta era distinta e também minhas obras eram; as sete horas para as orações, a missa, o crisma, o celibato – todas essas eram outras obras, muito dessemelhantes de minhas obras anteriores. Porém a simples mudança das obras não é o que vale; que mude a pessoa, que mudem os pensamentos e o ânimo: esse é o novo nascimento. Portanto não se pode sobrepor as obras à fé. Em que uma criança contribui para que seja concebida e venha à luz?
que se deve agregar também obras , e logo obras próprias nossas!
É verdade: a mãe leva a criatura em suas entranhas e lhe dá o calor materno; no entanto, não é obra dela que essa criatura se origine. De igual maneira quem pregamos e batizamos somos nós, no entanto, a
palavra e o batismo não são nossos; somente pomos à disposição nossa boca e nossas mãos. Na realidade a palavra e o batismo são de Deus, no entanto somos chamados colaboradores de Deus (I Coríntios 3:9). É, por certo, uma colaboração bastante modesta a nossa. Não que contribuamos com obra ou a palavra; o único com que contribuo ao batizar e pregar é com a voz, os dedos, a boca. Assim, na geração de uma criança, o pai e a mãe só contribuem com a carne e o sangue como fatores seus; a criatura concebida não contribui absolutamente em nada, senão que “se deixa criar” por Deus todos os seus membros, e a mãe a leva em seu seio. Há alguma razão então para que eu retire a honra de Deus e diga que eu mesmo me gerei e que minha própria atuação contribuiu para que eu nascesse?
elas que produzem a nova criação, mas “para que andássemos nelas”.
único Deus, senão que eu também o sou. Por outro lado, se Ele é o único, não o posso ser eu também, como se afirma muito claramente no Salmo: “Ele nos fez e não nós a nós mesmos; somos seu povo e ovelhas de seu pasto”. E não obstante, certa gente incorre em tremenda tolice de sustentar que a fé cria homens novos, mas com a ajuda das obras. Mas precisa de toda lógica dizer que eu me crio a mim mesmo e sou Deus junto com Deus, de modo que Ele me tem a seu lado como um Deus adjunto. Assim como eu não me formei a mim mesmo no corpo de minha mãe, senão que foi Deus quem me formou, valendo-se dos meus membros e do calor de minha mãe, assim tampouco na regeneração somos convencidos mediante nossas próprias forças e obras, senão unicamente pelas mãos e o Espírito de Deus.
III. O regenerado se manifesta como crente mediante a prática de boas obras.
evidente. A criatura deve se separar do corpo materno; antes de estar completamente formada, não contribui em nada para esse fato. Por que Deus a beneficiou de membros? Para se mover; uma vez nascida deve caminhar, ficar de pé, comer, beber, trabalhar, mandar, pois para isso nasceu. Se não fizesse nada, seria um tronco ou uma pedra. Porém deve fazer algo, para isso foi criada. A isso se refere Cristo quando disse ao fariseu Nicodemos: “Todos vós quereis ser vossos próprios criadores. Possuíeis a lei de Moisés e esforçai-vos para cumpri-la. Porem não obtereis êxito, uma vez que ainda não nascestes de novo; não possuíeis o Espírito Santo. Por conseguinte todas as vossas obras são obras do velho homem. Podeis, por exemplo, construir uma casa ou fabricar um sapato, porém tais obras não têm nada haver com o céu. Não são obras que conferem justiça a quem as faz. Também os gentios são capazes de fazê-las. Ademais trazeis oferendas, circuncidais a vossos filhos, usais as vestiduras sagradas – também isso está ao alcance de qualquer pagão. Por isso digo que são obras do homem velho, nascido uma só vez, a saber, do seio de sua mãe. Mas se quereis fazer obras que sejam de valor diante de Deus e que tragam proveito ao próximo, precisais nascer de novo. Vós por sua vez acreditam que o fazer obras que exteriormente parecem ser boas já está assegurada a vossa entrada no céu, ainda mesmo o coração não se achando no estado devido. Porém não façais as coisas ao contrário, não comeceis pelas obras!”
Onde se ensina e se vive dessa maneira, a verdade aqui ensinada por Cristo permanece vigente em toda a pureza. Cristo diz que temos que nascer, Paulo reforça que temos que ser criados por Deus. Falando em
termos de comparação com uma criatura: a criatura não se gera nem se faz nascer a si mesma, senão que depois de ser criada pode fazer obras. Analogamente, a árvore frutífera depois de plantada dá frutos. Não se diz: “Se não tiver peras na árvore, essa não é uma árvore”, senão o inverso. Por isso cresce a pereira, para que dê peras, para glória e louvor de Deus o Criador, e para que nós as comamos. Assim, a obra de
Deus é a que precede, e a nossa obra é a que segue. Igualmente: se não existisse ferreiro, não existiria machado, pois para que o machado corte, previamente precisa ser fabricado. Só um perfeito idiota poderia dizer: “Faz-me um machado que colabore na sua fabricação, de maneira que mediante seu despedaçar e cortar se transforme em machado”. Primeiro se fabrica o machado, e só então se pode empregá-lo nos trabalhos aos quais a ele se destinam.
Sobre esse tema se discute de modo por demais obstinado desde os primórdios da humanidade. E esse é o nosso ensino no qual insistimos com toda energia, afim de que conserve o lugar correspondente na igreja e para evitar que penetrem nela pessoas que atribuem um efeito também às obras precedentes ou concomitantes. Primeiro deve estar a criação, o nascimento: logo pode seguir a obra. Nicodemos não pode
compreender isso porque ele vive na crença equivocada de que obterá êxito para entrar no céu graças as suas obras precedentes. Cristo se opõe a ele com um sonoro NÃO: “o que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Todos aqueles que ensinam algo que contrarie esse artigo são falsos mestres. Nós, todavia, cremos e damos graças a Deus pelo fato de que ao fim foi trago a luz e posto ao conhecimento de todos qual é o verdadeiro caminho da vida: “Faz com que eu seja regenerado sem a colaboração de nenhuma obra minha, mas apenas pela palavra e pela fé”. Se tal é o caso, sou filho de Deus, tenho livre acesso a casa de meu Pai, e tudo quanto faço é bom e aceito diante de seus olhos. Se meu pé escorrega, Ele me castiga.
vossas obras precedentes; porque dessas resulta não mais que uma justiça válida diante dos olhos do mundo e para ela vale o que acabo de dizer quanto ao atirador. A justiça proveniente da fé acerta o alvo: aponta ao centro mesmo e penetra até a vida eterna – não por nossos próprios meios, senão em união com aquele que é o Mediador, do qual se fala na parte final do evangelho (João 3:14 e similares).
Isso se chama falar de forma cristã sobre a regeneração, da qual os papistas, os turcos e os judeus não têm o menor conhecimento. Estou seguro, portanto, que no Concílio I dos papistas* rejeitarão esse artigo, já que a norma deles é julgar a obra de Deus segundo eles mesmos a entendem. Cristo, porém, sustenta invariavelmente: “O que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. É preciso, pois, deixar de lado os pensamentos próprios, a sabedoria própria, as opiniões próprias e ouvir somente a palavra por meio da qual é criado em ti um coração novo sem a tua contribuição, como o novo ser no corpo da mãe. Este texto
soluciona a questão em que se vem debatendo no mundo inteiro sobre como é possível uma vida ‘totalmente’ bem-aventurada e feliz. Não há outro meio que a justiça efetuada pela regeneração não atinja o alvo.
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